Adélia foi para Paris acompanhando o marido em seu doutorado. Aprendeu francês em alguns meses, venceu a burocracia de visto francesa e logo conseguiu se reacolocar no mercado de trabalho.
O casal não pretende ficar na França para sempre, mas eles estão aproveitando bastante a oportunidade desse “intercâmbio”, para conhecerem pessoas novas, viajarem pela Europa e curtirem a vida expatriada.
Conheça um pouco mais desse casal…
– Nome:
Adélia
– Onde nasceu e cresceu?
Nasci em BH, fui criada no Rio de Janeiro e morei 11 anos em São Paulo.
– Em que país e cidade você mora?
Moro em Paris, na França.
– Você mora sozinho ou com sua família?
Moro com o meu marido.
– Há quanto tempo você reside nesse local?
Há 2 anos e meio.
– Já residiu em outro(s) país(es) antes dessa experiência?
Já tinha viajado algumas vezes para o exterior, fiz 2 meses de curso de inglês em Boston, mas morar pra valer, essa é a primeira vez.
– Qual sua idade?
30 anos.
– Quando surgiu a idéia de residir no exterior?
Eu e o meu marido sempre tivemos a idéia de morar um tempo no exterior, pela experiência de vida e pela possibilidade de conhecer outras culturas e países. A Europa sempre foi a nossa primeira opção. Ele estava terminando o seu mestrado em SP e seu orientador o indicou para alguns pesquisadores aqui na França. Após uma entrevista num instituto de pesquisa francês, ele recebeu uma proposta para fazer um doutorado na área de informática. Em 3 meses nos casamos, deixamos pra trás nossa vidinha estável e viemos para o velho continente aproveitar essa oportunidade única. Jovens e sem filhos, foi o momento perfeito.
– Foi difícil conseguir o visto de residência ou o visto de trabalho?
O nosso caso foi uma exceção. Para o meu marido não foi muito difícil porque ele tem dupla nacionalidade: brasileiro e lituano. A Lituania entrou recentemente na Comunidade Européia e durante um certo período, as regras de vistos são diferentes dos outros países que fazem parte da U.E. há mais tempo, como Italia, Espanha, etc. Após aprendermos tudo sobre as leis da U.E., constatamos que eu tinha direito de morar e trabalhar na França, mas deu um trabalhão convencer a administração francesa, que além de burocrática e desorganisada, é bastante desinformada também. O que ocorre é que essas leis sobre a U.E., mudam com bastante rapidez e o serviço público não possui sempre a última versão das leis. No fim de 2 anos, eu consegui o meu visto de trabalho definitivo. A minha sorte é que eu tinha conseguido um visto temporário e então trabalhei durante todo esse período.
Quem tem passaporte europeu (com exceção dos países que estão neste periodo de transição) não terá nenhum problema para vir morar ou trabalhar, apenas a burocracia normal. Já para quem não tem passaporte europeu, ou quem cai num caso particular como o nosso, aconselho se informar bem sobre seus direitos antes de vir. Pela nossa experiência e pelas histórias que ouço, vejo que a França está cada vez mais rigorosa com a entrada de estrangeiros. Os obstáculos são cada vez maiores.
– Você tem seguro saúde? Foi difícil obtê-lo antes ou depois da sua chegada?
Todos os residentes da França tem acesso ao sistema público de saúde, que é muito bom. Depois que comecei a trabalhar, também tive direito a um seguro complementar, pago pela empresa.
– Você trabalha? Como a renda familiar é obtida?
O meu marido tem uma bolsa de estudos de doutorando, que não é muita coisa, mas dá para viver corretamente. A nossa situação melhorou bastante depois que eu comecei a trabalhar. Quando cheguei eu não falava quase nada de francês. Estudei bastante e 5 meses depois ja’ estava fazendo entrevista de emprego (aos trancos e barrancos, é claro). Felizmente na area de informática é relativamente fácil encontrar emprego e 1 mês depois eu já tinha 3 propostas de emprego! Apesar dos meus 7 anos de experiência no Brasil, eu consegui apenas propostas com salários de recém-formado e cargos bem técnicos, ou seja, regredi um pouco profissionalmente. Como eu não tinha nenhum contato profissional na França, esse foi o meu jeito de entrar no mercado. Hoje em dia já mudei de emprego, retomei o desenvolvimento da minha carreira e tenho o salário igual a outros profissionais franceses do mesmo nível.
Para os que pensam em vir para a França para enriquecer, esqueçam! Aqui definitivamente não é o lugar ideal. O salário minimo é 1.500 euros e não se vê por aí salários muitos mais altos que isso. A diferença entre os salarios mais baixos e os mais altos não é tão flagrante como no Brasil. Um salário de 3.000 euros líquido por mês, já é considerado um bom salário.
– Se a resposta anterior foi sim, você mudou de área depois da saída do Brasil ou continua no mesmo setor?
Continuo no mesmo setor.
– Você fala a língua local? Você acredita que é importante aprender a língua local?
Sim, falo. Aqui na França é fundamental falar francês! O inglês é falado apenas em locais turísticos e de maneira geral, o francês não gosta muito de falar inglês (alguns já me confessaram que tem vergonha do sotaque). Logo que cheguei fiz 5 meses de curso intensivo na Aliança Francesa, que foram fundamentais para uma boa base da gramática francesa. O francês é um idioma muito rico em vocabulário, pronunciações complicadas, muitas regras e exceções. Até hoje aprendo coisas novas.
Na minha opinião aprender o idioma local é fundamental para quem deseja se integrar e se adaptar ao novo país. Mesmo que no trabalho seja possível falar inglês, no dia-a-dia (padaria, médico, zelador do prédio, etc) é imprenscidível.
– O que você pensa sobre seu novo país e o local onde mora (e/ou onde morou)? Eles respeitam os Brasileiros e outros expatriados vivendo nesse país?
Quando se fala da França, logo imaginamos a terra da Torre Eiffel, dos queijos, vinhos e baguetes, e da arrogância dos franceses. Este último ponto não é verdade! Concordo que em Paris, o pessoal é um pouco ranzinza, mas é uma cidade grande como São Paulo, as pessoas com pressa de ir ao trabalho ou chegar em casa, a multidão de turistas onde quer que você esteja…. Mas é só se afastar um pouquinho para o interior que tudo muda. O francês é um sujeito simpático, orgulhoso de seu país, de sua história, de sua gastronomia.
Francês também é “reclamão”. Eles adoram reclamar da vida, do emprego, da política, de tudo. E acho que é por isso eles tem o país que tem hoje. Se eles não concordam com alguma medida do governo, todo mundo mete a boca no trombone, vai para as ruas manifestar, na TV o que mais tem é debate político. É incrível o poder que o povo tem. No Brasil somos acomodados. Reclamamos das coisas, mas pouco fazemos para mudá-las. Fico imaginando se substituíssem os políticos franceses pelos brasileiros. Acho que teríamos uma “Revolução Francesa II”, ou sejam, cabeças iam rolar!
Quanto ao respeito aos estrangeiros, existe muito preconceito, principalmente contra os magrebinos (Tunísia, Argélia e Marrocos) e africanos, que são a maior parte dos estrangeiros na França. Não sinto um preconceito particular contra os brasileiros. Eles nos acham um povo alegre, simpático, acolhedor. Mas eles têm uma imagem muito esterotipada do Brasil: o país do futebol, do Carnaval, das mulheres de fio-dental na praia, das favelas e agora é também o país da cirurgia plástica. Embora ninguém me fale isso diretamente, percebo que eles tem uma imagem negativa das mulheres brasileiras, acho que é por causa da quantidade de prostitutas brasileiras na Europa. Alias, não apenas as mulheres! Tem um parque aqui em Paris que é conhecido por ter travestis brasileiros à noite, o Bois de Boulogne.
– Você tem filhos? Se sim, eles se adaptaram ao novo país? Estudam e têm amigos locais?
Não temos filhos ainda, mas está nos planos.
– Sente saudades da família no Brasil? Sente falta de produtos, alimentos e outras peculiaridades?
Morro de saudades da família. O meu marido até que agüenta bem as pontas, mas toda vez que tem festa de aniversario de alguém, ou dia das mães, ou qualquer outro evento onde eu sei que todos estão reunidos, fico com o coração partido. O pior período pra mim é no fim do ano, fico deprimida pra valer, é uma época muito triste.
Quanto aos alimentos, não sinto tantas saudades assim…. Aqui na França come-se muitíssimo bem. Quando bate uma vontade de pão de queijo ou guaraná, é só ir na lojinha “Coisas do Brasil “ aqui em Paris. Eu sinto falta das facilidades que tínhamos no Brasil: manicure e faxineira, por exemplo. Quanto compramos um móvel para a casa, somos nós que temos que montar. Se algo quebra em casa, é a gente que conserta. Quando alguém muda de casa, é comum juntar os amigos para ajudar na mudança. Inclusive nós já fizemos 2 mudanças de amigos! Aqui os serviços custam muito caro e todo mundo aprende se virar sozinho.
Também sinto falta do alto-astral e da simpátia do povo brasileiro. As pessoas aqui são fechadas, é difícil fazer amizades. No trabalho o ambiente é bastante formal, não se fazem muitas perguntas pessoais, é cada um na sua. Noto que eles não misturam muito a vida profissional e a pessoal. Não é comum fazer happy-hour depois do trabalho. Dos amigos que fiz no trabalho, ou são estangeiros como eu ou são franceses que tiveram uma vivência no exterior. Sinto que esses são bem mais abertos. Por outro lado, os poucos amigos franceses que temos são amigos pra vida toda. Sabemos que podemos contar com eles para o que for.
– O que costuma fazer nas horas vagas, finais de semana e feriados? Quais as atividades recreacionais existentes?
Viajamos bastante pela Europa. A vantagem de se trabalhar na França é que temos muitos dias férias e é possível tirar folgas de poucos dias (ou mesmo 1 dia apenas), seja para prolongar um fim de semana, seja para simplesmente descansar. Eu tenho direito a 40 dias ÜTEIS de férias por ano, nada mal! Já visitamos muitos países por aqui: Grécia, Inglaterra, Bélgica, Espanha, Itália, Alemanha, Holanda e até mesmo para a Eslovênia e Marrocos, que não é Europa, mas é pertinho. Também viajamos bastante pela França.
Quando ficamos em Paris sempre aproveitamos para conhecer melhor a cidade, que tem uma infinidade de atividades para todos os gostos: museus, exposições, shows, operas, jogos, passeios, parques, restaurantes…. Por mais que a gente passeie em Paris parece que nunca vamos conhecer tudo!
– Você tem planos para o futuro? Pretende viver nesse país para sempre?
Meu marido termina o doutorado no fim deste ano. A idéia é ficar mais uns 2 anos, juntar um dinheirinho e voltar para o Brasil. Temos boas oportunidades profissionais por lá também e queremos estar ao lado da nossa família. Mas confesso que a decisão de ficar ou voltar é extremamente difícil. Diversas vezes me passou pela cabeça ficar aqui para sempre. Temos qualidade de vida, segurança, bons serviços publicos, bons empregos, muitas férias. O meu maior receio no Brasil é a violência, que parece estar cada vez pior e sinceramente, não tenho esperanças que as coisas melhorem a curto prazo.
Alguns me acham doida, mas apesar de tudo eu prefiro voltar para o meu país e poder viver ao lado da minha familia e dos amigos. Quero que meus (futuros) filhos sejam criados ao lado da familia.
– Você comprou ou alugou o local que reside? Quanto pagou ou paga por isso? Comprar imóveis é algo comum nesse país?
Moramos num studio de 30m2 alugado, 770 euros por mês. Os preços do mercado imobiliario de Paris são uma loucura! Além de ser tudo muito caro, é muito difícil encontrar um apartamento para alugar. Não é raro visitar um apartamento e descobrir outras 10 pessoas interessadas pelo mesmo apartamento e que o visitarão ao mesmo tempo que você. No fim, quem gostou do apartamento, preenche uma ficha de candidatura e quem tem as melhores garantias é quem leva. Como a demanda é muito maior que a oferta, é muito dificil atender todos os critérios. Já ouvi até historia de falsificação de documento para conseguir ter alguma chance!
Outro problema é que a maioria dos apartamentos de Paris são velhos, alguns datam de séculos atrás, e muitos deles estão caindo aos pedaços e cheios de problemas. Também é bastante comum prédios de até 6 ou 7 andares sem elevador.
Uma solução é morar nos subúrbios. O preço é mais acessível e as ofertas aumentam a medida que nos afastamos do centro de Paris. Como o transporte publico é excelente, essa é uma boa opção.
– Qual o custo de vida?
O que pesa mais no orçamento é o aluguel, sem dúvida nenhuma. Mas morando num bairro no subúrbio, acho que entre uns 3.000 e 3.500 euros é suficiente para uma familia de 4 pessoas viver corretamente, sem grandes luxos, na região de Paris. Em qualquer outra cidade da França o custo seria menor, mas eu não saberia dizer quanto.
A vantagem é que não temos despesas com seguro saúde, previdência, escola. Os serviços públicos são gratuitos e de boa qualidade.
– Quais os pontos positivos e negativos de morar nesse país?
Vantagens: segurança, transporte público de qualidade (não temos carro), serviços públicos eficientes, é um país riquíssimo culturalmente e historicamente, gastronomia maravilhosa, podemos esquiar no inverno e ir na praia no verão, é fácil e barato de visitar outros países da Europa. Além disso vivemos, moramos numa das cidades mais lindas do mundo.
Desvantagens: muito frio no inverno, Paris é uma cidade muito nublada e chuvosa, da maneira geral os franceses são fechadões, não é facil se entrosar com eles (claro que há exceções). Ao contrário de SP, nada funciona 24 horas aqui e no domingo tudo fecha. Querendo ou não, sempre seremos estrangeiros e tratados como tal.
– Você tem sugestões ou dicas para pessoas que pretendem viver nesse país?
Além das dicas óbvias como aprender o francês, adaptar-se ao estilo de vida, venha preparado para enfrentar a burocracia francesa. As exigências são cada vez maiores, tenha certeza de todos os seus direitos antes de vir, porque eles nao darão nada de graça pra ninguém.
Tenha a mente aberta para novas idéias, novas filosofias de vida, novos sabores. Curta tudo o que França tem de bom a oferecer. Integre-se. Para ficar andando só com brasileiro, é mais fácil ficar no Brasil, certo?
Ah, e deixe para ir ao dentista quando estiver de férias no Brasil! Essa foi uma das melhores dicas que me deram antes de vir.
– Você gostaria de recomendar algum web site ou blog relacionado à esse país?
O nosso blog: http://roede.blogspot.com (desativado)
Conexão Paris, excelentes dicas de turismos: https://www.conexaoparis.com.br/
Dicionário Francês da TV5: http://dictionnaire.tv5.org/
Loja de produtos brasileiros em Paris: https://www.coisasdobrasil.fr/
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[…] Adélia conta para o Entrevistando Expatriado como é sua experiencia de vida na França. O conteúdo dessa entrevista foi transferida para: https://www.mikix.com/pedalando-em-paris/ […]