Maria Lina em ParisSou brasileiríssima no Brasil e francesa na França“, é dessa forma que Maria Lina se identifica. Ela foi para Paris 1983 fazer doutorado acompanhada de sua filha, e durante esse período, casou-se com um Frances. Hoje, ela vive na ponte-aérea Brasil/França.
Navegue por suas palavras, descubra um pouquinho de Paris …

– Nome:
Eu me chamo Maria Lina Valadares Campos.

– Onde nasceu e cresceu?
Nasci e vivi em Belo Horizonte até mudar para Paris.

– Em que país e cidade você mora?
Moro em Paris desde 1983 e com meu marido desde 1985.

– Qual sua idade?
Tenho 60 anos

– Já residiu em outro(s) país(es) antes dessa experiência?
Nunca tinha residido em outro país. Conhecia vários países, mas não sabia o que era viver em outro país.

– Quando surgiu a idéia de residir no exterior?
No Brasil, era professora universitária. Ganhei uma bolsa de estudo para fazer um doutorado em Paris e foi assim que tudo começou. No final de dois anos, conheci um cirurgião dentista francês e me casei. Claro que se tivesse perfeitamente adaptada no Brasil, isto não teria acontecido. Os azares dos encontros não são os únicos responsáveis pelas grandes mudanças. Se me casei e fiquei, foi porque já saí do Brasil curiosa, querendo viver novas culturas. Foi uma curiosidade imensa que me fez atravessar o Atlântico. Conhecia vários países mas era um conhecimento limitado, turístico, que eu chamo conhecimento pelo buraco da fechadura. Queria viver uma diferença, me inserir em outra maneira de ser.

– Foi difícil conseguir o visto de residência ou o visto de trabalho?
Saí do Brasil com uma bolsa de estudos do governo e com um visto de estudante. Quando defendi minha tese no final de quatro anos, já estava casada e com a nacionalidade francesa. Bom, fui e sou uma privilegiada. Tenho consciência aguda disto. Mas sei que na França é difícil. Tenho muitas amigas e amigos brasileiros que viveram experiências diversas aqui.
Vou contar uma para ilustrar a dificuldade dos vistos de trabalho. Uma amiga veio com visto de estudante e fez uma formação em hotelaria. No final do curso, foi convidada para trabalhar em uma grande cadeia de hotéis. Apresentou todos os papéis necessários para obter o visto e não conseguiu tirá-lo. Legalmente ela tinha o direito de ter o visto. A polícia francesa passou por cima da lei e recusou alegando que não viam justificativa para a cadeia de hotéis empregar uma estrangeira tendo em vista os altos índices de desemprego da população francesa. Isto se passou em 2006. De lá para cá, o comportamento das autoridades endureceu ainda mais.

– Você tem seguro saúde? Foi difícil obtê-lo antes ou depois da sua chegada?
Tenho um seguro saúde que é o seguro do meu marido. O seguro do Estado francês e um complementar ligado a Caixa de Aposentadoria dos Profissionais Liberais. Estes dois seguros dão uma cobertura quase total das despesas ligadas à saúde. Para terem uma idéia não pago os remédios, nem as consultas, nem os atos mais invasivos. Só a parte ligada a oftalmologia é mal assegurada.

– Você trabalha? Como a renda familiar é obtida?
Quando terminei meu doutorado, sabia que não teria possibilidade de trabalho na minha área. Fazia pesquisa sobre a organização do trabalho industrial e era especialista do Brasil. Nesta época, 1988, 1999, 2000, a América Latina estava fora de moda no mundo da pesquisa acadêmica. Tem moda nesta área também. Os países asiáticos estavam no ordem do dia, todo mundo pesquisava a organização do trabalho em Hong Kong, Taiwan e os países latino americanos viraram has been. Coisa de pesquisador barbudo dos anos 60 (vocês viram o filme “A culpa é do Fidel”?).

– Se a resposta anterior foi sim, você mudou de área depois da saída do Brasil ou continua no mesmo setor?
Para não cair na depressão total do desempregado, fui fazer o curso de história da arte do museu do Louvre e lá fiquei 8 anos. Virei outra. Brincadeira! Claro que sempre tive uma veia artística mal empregada. Mas quando terminei o curso criei uma pequena indústria de bijuterias de luxo e fabriquei lindos colares e pulseiras durante um tempo. Um dia minha sócia se mudou para Londres e aí eu depremi feio. Eu sou péssima vendedora. Não sei vender nada. Ela era a encarregada de vender nossas peças.
Tentei um tempo levar tudo sozinha, mas não consegui. Fechei a firma e abri um outro negócio aproveitando as informações e os cursos do Louvre. Criei um atelier de confecção de molduras para quadros e suportes para obras de arte. Foi ótimo. Trabalhei alguns anos com vários artistas franceses.
Aí meu marido se aposentou e nós viramos nômades, entre o Brasil e a França. Está fazendo frio em Paris, corremos para o Brasil. Deu saudades do camembert, voltamos para a França. Foi nesta situação de nômade que criei o Blog Conexão Paris. Estou muito feliz blogueira. Nunca gostei tanto de uma atividade como esta.

– Você fala a língua local? Você acredita que é importante aprender a língua local?
Importantíssima a questão sobre falar o idioma do país que te hospeda. Pelo menos na França. Mas acho que a questão é universal. Olhem bem, a França foi metrópole, teve colônias, tem uma grande população originária destas colônias. Além do mais, recebe ainda hoje um fluxo migratório grande de pessoas fugindo da guerra, da miséria, da fome. A França possui então uma parte da população que não fala corretamente o idioma francês. Por outro lado, os franceses amam e respeitam o idioma. Eles se orgulham da língua que tem, existe mesmo a expressão Le génie de la langue française. Eles lutam contra a invasão do inglês. Eles criam Culturas Francesas pelo mundo afora. Eles falam muito bem o francês (estou fazendo referência a uma parte da população). O resultado deste quadro é que eles discriminam aqueles que falam mal a língua. Uma discriminação velada, não declarada. Mas vivendo aqui há anos eu sei detectar estes detalhes. Se o brasileiro chegar aqui dominando a língua perfeitamente eles vão ficar impressionados e satisfeitos. Vão encarar esta pessoa de uma outra forma que encarariam um brasileiro que chega aqui falando francês como une vache espagnole – como uma vaca espanhola. Ou como um petit nègre. Viram o racismo das expressões?

– O que você pensa sobre seu novo país e o local onde mora (e/ou onde morou)? Eles respeitam os Brasileiros e outros expatriados vivendo nesse país?
Penso que a França é um país normal. Quer dizer, excepcional em certos aspectos e horrível em outros. Como todos os países. Ela é excepcional na oferta cultural. Museus, cinemas, bibliotecas. Se Londres é a capital do teatro, Paris é a capital do cinema. Você pode ver todos os filmes ao mesmo tempo. Do cinema mudo, ao último sucesso americano. Ela é excepcional na cobertura do seu sistema de saúde. Um dos melhores da Europa. Ele é excepcional pelo seu sistema político que funciona muito bem. Uma democracia sólida que respeita as minorias existentes, exigindo delas respeito as regras e leis do país. Paris é excepcional pela sua beleza. A cidade mais bonita do mundo e os franceses se orgulham dela. A administração pública passa seu tempo restaurando, pintando, lavando, plantando. Um dia um americano amigo me perguntou onde a França arranjava tanto dinheiro para sustentar esta cidade tão cara. Impostos, claro. Mas bem empregados. Não vão parar nos bolsos privados. São gastos na renovação do patrimônio histórico.

– Você tem filhos? Se sim, eles se adaptaram ao novo país? Estudam e têm amigos locais?
Tenho uma filha brasileiríssima que não gostou da França. Outra questão fundamental. Se quiserem viver fora e estiverem já casados e com filhos saiam do Brasil antes ou depois da adolescência dos filhos. Minha filha chegou aqui na adolescência, época da vida que queremos ser iguais aos outros. Ela não era igual as outras. Era brasileira. Detestou a França e os franceses. Para piorar as coisas o choque entre o sistema educacional brasileiro, acolhedor, aberto, sem hierarquias e o sistema francês autoritário, cheio de hierarquias e fechado. Ela odiou o liceu francês. Conclusão, uma vez adulta não quis morar na França e está muito feliz no nosso Brasil quentinho. A razão principal do meu nomadismo.

– Sente saudades da família no Brasil? Sente falta de produtos, alimentos e outras peculiaridades?
Vivo uma situação particular, passo vários meses no Brasil e outros na França. Não dá tempo da saudade ficar doendo demais. Vivo uma situação que chamo de esquizofrênica. Sou brasileiríssima no Brasil e francesa na França. No Brasil como arroz e feijão todos os dias, mamão no café da manhã, fico preguiçosa em relação as tarefas domésticas. Na França como entrada e prato principal com carne e legumes, faço tudo dentro de casa, cozinho todos os dias. Gosto muito da ida e da vinda, da troca da maneira de encarar as coisas.

– O que costuma fazer nas horas vagas, finais de semana e feriados? Quais as atividades recreacionais existentes?
Mesmo as atividades de lazer são específicas a cada país. No Brasil muitos encontros familiares, muita cerveja com amigos, encontros informais e imprevistos. Na França muita atividade cultural (visto a oferta e a qualidade da oferta), encontros sociais previsto e marcados com antecedência. No Brasil, em Belo Horizonte, vivo dentro do carro. Não caminho pela cidade. Não sei se é específico da geografia de BH ou da cultura brasileira. Ou uma defesa contra a violência. Em Paris não preciso de carro. Faço tudo a pé. Caminho horas com prazer.

– Você comprou ou alugou o local que reside? Quanto pagou ou paga por isso? Comprar imóveis é algo comum nesse país?
Paris é uma cidade muito cara. O mercado imobiliário explodiu nestes 6 últimos anos. Um studio de 23 m2, uma peça só, com cozinha dentro do armário e banheiro separado vale 700 euros de aluguel. Para comprar um apartamento de 2 quartos, sala, cozinha, banheiro em prédio bom e bairro bom o cidadão tem que gastar 800.000 euros. Um aluguel para uma família de quatro pessoas seria em torno de 1.300 euros por mês. Para pagar este aluguel a pessoa tem que ter uma renda de 3.000 euros por mês.

– Você tem sugestões ou dicas para pessoas que pretendem viver nesse país?
Todas as cidades apresentam aspectos positivos e negativos. Recebo muitos franceses no Brasil. Alguns chegam, olham a violência, os contrastes sociais e vão embora horrorizados. Não voltam nunca mais. Outros chegam, olham a beleza do Rio de Janeiro e a exuberância dos cariocas, as praias do Nordeste e as cidades históricas de Minas e voltam encantados. Só pensam em aposentadoria no Brasil.

O brasileiro pode chegar nas cidades européias e viver uma destas experiências. Enxergar o que é negativo e perder uma grande experiência de vida ou ver só as qualidades e aproveitar o máximo. A ele a escolha.

Abraços,
Maria Lina

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