Tiago Luchini nunca foi muito fã do calor das terras brasileiras.
Mesmo assim, não imaginava que um dia estaria morando tão próximo ao pólo-norte – aquele das renas e do papai-noel.
Conheça um pouco da sua vida na Finlândia…
– Nome:
Tiago Luchini
– Onde nasceu e cresceu?
Sou natural de São Paulo-capital. Cresci na Zona Leste e vivi vários anos na Zona Sul. Amo de coração o centro de São Paulo, o bairro da Liberdade e a Vila Mariana.
– Em que país e cidade você mora?
Hojo moro na pequena cidade de Oulu (130mil habitantes) no noroeste da Finlândia (à uns 150Km do Pólo Norte e às margens do Golfo de Bótnia no Mar Báltico).
– Você mora sozinho ou com sua família?
Somos eu, minha esposa e nosso filho de 8 anos.
– Há quanto tempo você reside nesse local?
Vivemos aqui desde começo de 2007.
– Já residiu em outro(s) país(es) antes dessa experiência?
Não. Apenas como turista mesmo.
– Qual sua idade?
Novo demais para entender o mundo e velho demais para já ter alguns problemas de saúde. Sou de 1979.
– Quando surgiu a idéia de residir no exterior?
Talvez seja uma característica paulistana (e até brasileira), mas sempre tivemos certas insatisfacões tanto com a nossa cidade como com o Brasil. Quando nosso filho nasceu decidimos tentar a sorte imigrando para o Canadá pelo programa de imigracão de profissionais. Na época estouraram os atentados de 11 de Setembro e todo o processo foi afetado. Resolvemos então continuar com a vida em São Paulo até que, 7 anos depois, surgiu uma oportunidade profissional interessante que nos atraiu para a Finlândia (tão fria quanto o Canadá talvez).
O Brasil é um ótimo lugar para se viver mas sofre-se demais com a violência, com a falta de educação e com a corrupção e, na minha opinião, sofremos acima de tudo com a falta de igualdade entre as pessoas e com a série de problemas que esta desigualdade traz.
– Foi difícil conseguir o visto de residência ou o visto de trabalho?
O governo Finlandês é bastante eficiente e honesto (tem o menor índice de corrupção do mundo). Conseguimos desenrolar a papelada sem muita burocracia em 1 mês. Eles dão prioridade máxima para aqueles pedidos que envolvam trabalho ou investimento no país. Existem também rotas de vistos para estudantes e exilados de guerra ou perseguidos políticos.
– Você tem seguro saúde? Foi difícil obtê-lo antes ou depois da sua chegada?
Qualquer imigrante que entre na Finlândia de forma legal por razões profissionais (trabalho, investimento, etc) tem os direitos normais de um cidadão Finlandês no que diz respeito a seguro saúde e educacão para os filhos. Esposas ou esposos dos expatriados herdam os mesmos direitos automaticamente.
Por outro lado, somos muito mimados no Brasil com os planos de saúde particulares que nos tratam com centenas de exames e retornos. O estilo Finlandês é bastante indireto, rápido e altamente impessoal e isso pode aparentar descaso ou um sistema de saúde ineficiente. Na prática, os hospitais são muito bem equipados e as pessoas vivem vários anos a mais do que em muitos outros países (Brasil incluso por exemplo).
É importante notar que estudantes de intercâmbio e profissionais com trabalho temporário não possuem estes mesmos direitos e muitas vezes precisam buscar alternativas particulares ou então conseguir prolongar sua estada no país ou mudar a categoria do visto.
– Você trabalha? Como a renda familiar é obtida?
Gerenciamos toda a questão de trabalho diretamente do Brasil num primeiro momento (pela internet) e viemos para cá só para uma série de reuniões para fechar os contratos e depois resolver as questões da mudança.
A Finlândia (e Oulu em especial) é um centro de excelência em tecnologia e está sempre sedenta por empresas e profissionais que se destaquem no ramo. Há uma falta constante de profissionais qualificados no que diz respeito à pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias.
A renda familiar é dividida entre o meu trabalho no ramo de pesquisa e desenvolvimento para dispositivos móveis (celulares e computadores portáteis) e um auxílio que o governo dá para que as esposas (ou esposos) se adaptem ao país. O auxílio não é grande em termos monetários mas ajuda bastante. Fora isso o governo também estimula os estudos da língua local, profissionalizantes e estágios correspondentes. É um sistema altamente maternalista mas fascinante.
– Se a resposta anterior foi sim, você mudou de área depois da saída do Brasil ou continua no mesmo setor?
Sim e não. No Brasil sempre trabalhei com tecnologia e continuo fazendo isso aqui também. O “não” é basicamente porque aqui, há essa grande demanda por pesquisa tecnológica que falta para o Brasil em grande escala. Nesse sentido, eu nunca havia trabalhado com pesquisa e desenvolvimento de produtos no Brasil.
– Você fala a língua local? Você acredita que é importante aprender a língua local?
Finlandês é uma língua bem complicada pois surgiu de um ramo linguístico totalmente diferente da maioria das outras línguas. Isto quer dizer que ela não tem praticamente nenhuma similaridade com outras línguas e requer até que o estudante mude sua forma de pensar (não existem artigos e nem gêneros por exemplo, conjuga-se todas as palavras – não apenas verbos – e as preposições são sufixos às palavras).
Como exemplo, tome a primeira frase do evangelho segundo João: “No princípio era o verbo e o verbo estava com Deus”. Sua representação em Finlandês é “Alussa oli Sana ja Sana oli Jumalan luona” que, em traduçäo literal seria “princípio[inessivo] era Palavra e Palavra era Deus[genitivo] com”.
Estudamos Finlandês e, como dá para perceber, devemos demorar alguns anos para alcançar um nível mínimo de comunicação. Minha esposa (que participa do curso intensivo de adaptação do governo) e meu filho (que usa o Finlandês na escola) já estão bastante evoluídos neste 1 ano no país. Eu ainda sofro perdido entre os capítulos 4 e 10 da única cartilha básica para estrangeiros que existe (poucas pessoas no mundo querem aprender Finlandês).
Saber a língua local é um adendo na Finlândia (mesmo que importante). Explico: o povo daqui tem um Inglês fenomenal e é possível levar uma vida normal sem se preocupar em aprender a língua local desde que se utilize o inglês. Sempre dá para realizar compras, tomar taxis, negociar imóveis ou qualquer outra necessidade local em Inglês (mesmo que hajam pequenas ineficiências e confusões – tudo sempre se resolve). Por outro lado, algumas profissões requerem obrigatoriamente o uso do Finlandês e se o objetivo for se envolver e absorver a cultura com pessoas de várias situações sociais (pessoas mais idosas por exemplo) o conhecimento da língua é fundamental.
– O que você pensa sobre seu novo país e o local onde mora (e/ou onde morou)? Eles respeitam os Brasileiros e outros expatriados vivendo nesse país?
A cultura Finlandesa é absolutamente oposta à Brasileira no que diz respeito aos contatos sociais. Não existem os espíritos de camaradagem, parceria e amizade que existem no Brasil. As pessoas aqui são muito isoladas e cuidam dos seus interesses particulares. Se por um lado há menos camaradagem, também há um enorme respeito pela privacidade alheia.
Isto posto, para ser bem aceito aqui é preciso se aculturar. Isso inclui manter distância das pessoas (tanto física quanto emocionalmente), falar baixo e evitar assuntos pessoais. Ou seja, não adianta chegar por aqui esperando ser aceito de braços abertos com o nosso jeito brasileiro – extravagante e aberto de ser. Alguns podem até apreciar isto no começo mas numa escala de curiosidade cultural e não realmente prática.
Diferetemente de outros países, aqui ainda existem poucos Brasileiros e nossa imagem não é negativa.
O Finlandês sabe viver muito bem com pessoas de outras nacionalidades em seu meio. Existem casos sim de racismo e preconceito mas apenas em pequeniníssima escala.
– Você tem filhos? Se sim, eles se adaptaram ao novo país? Estudam e têm amigos locais?
Nosso filho teve um primeiro momento de adaptação muito difícil (chegou aqui com 7 anos). Sofremos com e por ele por alguns longos meses, mas hoje, entendemos que ele está muito melhor adaptado. Neste quesito se aplica o mesmo ponto que citei na questão anterior: é comum na nossa educação brasileira haver barulho e muito toque físico/empurra-empurra. Claro que não entrava na cabeça do nosso pequeno, que aqui isso era inaceitável. Vivíamos sendo chamados à diretoria por “mau comportamento”. Explicar questões culturais para uma criança de 7 anos não é simples.
– Sente saudades da família no Brasil? Sente falta de produtos, alimentos e outras peculiaridades?
É impossível não sentir falta de familiares, amigos, comidas e locais especiais.
Sentimos falta de muitos alimentos (carne – e muita carne – pizzas decentes ou até coisas mais simples como esfihas, comida japonesa, coxinha, tubaína, dadinho, pastel de palmito – e até do palmito em si). A cozinha Finlandesa é bem diferente e tem uma distribuição bem mais limitada de produtos se comparada com a nossa. Por isso sentimos falta de muitas coisas que tentamos ou encontrar importadas (nem sempre tão fácil ou acessível), substituir por produtos locais ou pedir para amigos trazerem na mala. Depois de um tempo acredito também que passamos a nos acostumar com os produtos daqui e sentiríamos falta deles numa outra mudança de país.
Dependendo do nível de apego aos amigos e familiares, também sentimos muita saudade deles.
– O que costuma fazer nas horas vagas, finais de semana e feriados? Quais as atividades recreacionais existentes?
Graças ao longo inverno e à neve que se acumula durante vários meses do ano, a maioria das atividades nas horas vagas é interna. As atividades externas incluem patinação no gelo e esqui. Ambos facilmente acessíveis desde que nossos pés tropicais se adaptem a eles. As atividades internas incluem um esporte chamado salibandi, floorball, bandi ou sähly (não há um nome oficial) – é uma espécie de hockey no gelo que se joga numa quadra coberta e sem os patins ou o gelo.
É bem comum que as pessoas acompanhem os jogos de hockey no gelo pela TV ou nas arenas. O esporte é praticamente o esporte nacional daqui. Na cidade de Oulu, é comum que as pessoas assistam os jogos na própria arena porque o time da cidade, o Kärpät, é muito forte e popular e um dos maiores campeões da liga.
Outras atividades internas também acabam sendo bastante valorizadas para matar as horas vagas. Lemos muito, assistimos filmes e jogamos jogos de tabuleiro ou video-game com amigos.
No verão é comum que as pessoas saiam muito (para correr atrás do “tempo perdido”) e viagem muito. Aí você pode esperar todo e qualquer tipo de atividade normal. Gostamos das trilhas nas florestas, acampar e eu tento me policiar para jogar basquete de rua o máximo possível antes que o inverno venha novamente.
Nas cidades costeiras como Oulu, as pessoas também se aglutinam nas praias (frias mesmo no verão – mas bem mais quentes do que na época do gelo – pelo menos). Também fazem muitos picnics e ficam na beira dos rios e dos milhares de lagos que existem no país.
Enfim, no verão tenta-se fazer tudo que não deu para fazer no inverno e aproveitar o sol de praticamente 24 horas por dia.
– Você tem planos para o futuro? Pretende viver nesse país para sempre?
Eu tenho gostado muito da Finlândia até o momento. É um país que se encaixa como uma luva no meu estilo de vida. Até o clima é algo que eu me acostumei e aprecio (mesmo embora a escuridão total do inverno seja bem deprimente). No momento, portanto, não fazemos planos para um futuro muito distante. Por enquanto ficaremos por aqui.
– Você comprou ou alugou o local que reside? Quanto pagou ou paga por isso? Comprar imóveis é algo comum nesse país?
Hoje moramos num apartamento alugado. Decidimos assim para termos uma maior flexibilidade caso desejarmos mudar (seja para outro país, de volta para o Brasil ou até mesmo na cidade). Os aluguéis tendem a ser caros. Se forem imóveis muito centrais e novos o alugel pode chegar a até 800€/mês para 2 dormitórios. Imóveis semelhantes, mas mais antigos e afastados do centro, podem ser encontrados por 400€/mês ou até menos. Claro que cidades mais populares, como Helsinki, possuem preços mais caros.
Financiamentos são acessíveis e existe um mercado aquecido de ofertas. Cada banco trabalha com regras levemente diferentes para financiamentos e estas podem incluir o não financiamento para expatriados ou expatriados com uma quantidade mínima de anos no país.
– Qual o custo de vida?
O custo de vida aqui é algo curioso. Como saúde e educacão são públicos você precisa se preocupar apenas com os custos de moradia, alimentacão e lazer. Moradia (incluindo aluguel e utilitários) pode abocanhar até 1.200€ por mês com facilidade. Alimentacão é cara principalmente se for cheia de carne ou inclua visitas frequentes a lanchonetes e restaurantes. Para algo não muito elaborado em uma família de 4 pessoas pode-se gastar até 800€ por mês senão até mais dependendo das extravagâncias. Lazer depende muito do tipo de lazer. Se o seu lazer for ir na academia, reserve 50€ por mês para a mais chiques. Outras coisas são gratuitas. Se quiser patinar, por exemplo, é só ir até a pista e patinar. Não há custo. Claro que viagens, passeios e etc possuem os custos normais que se esperaria – caros porém acessíveis com planejamento e economia.
Uma família de 4 pessoas pode viver com uma renda familiar líquida de uns 2500€ se puder se acostumar com simplicidade e poucas extravagâncias.
– Quais os pontos positivos e negativos de morar nesse país?
* Positivos: segurança, estabilidade, educação pública excepcional, honestidade média das pessoas muito alta, profssionalismo nas relações profissionais, respeito aos outros, silêncio e facilidade de manter uma vida simples e sadia.
* Negativos: frio – muito frio, dias praticamente sem sol no inverno, privacidade extrema das pessoas que atrapalha nos contatos sociais, gelo nas ruas que atrapalha a locomoção, cultura muito voltada ao consumo de bebida alcóolica.
– Você tem sugestões ou dicas para pessoas que pretendem viver nesse país?
1. Prepare-se para o inverno. Não estamos acostumados com o frio e com a neve e isso pode virar um choque cultural se você não se preparar.
2. Prepare-se para os dias curtos do inverno (e para os dias longos do verão também). Isso afeta a cabeça e a rotina mais do que você imagina. Pense como seria sua vida se passar dias e mais dias sem ver o sol e chegar num ponto onde você nem lembra mais como era o dia. O inverso também acontece de você esquecer o que é uma “noite” no verão.
3. Prepare-se para o estilo frio e direto dos Finlandeses. Se um finlandês não for com a sua cara, ele não vai ser político e é certo que você ouça verdades que não gostaria de ouvir. Fora isso, não espere muitos agrados ou sorrisinhos, o Finlandês é “pá-pum”.
3. Se você for uma pessoa que gosta muito de sair, deve ou aprender a encarar as baixíssimas temperaturas ou aprender a viver mais tempo dentro de casa.
4. Se você for uma pessoa muito sociável (cheia de amigos por perto) prepare-se para níveis muito baixos de socialização.
5. Finlandeses são extremamente igualitários e isso pode causar certos choques para nós que temos uma cultura baseada largamente na desigualdade entre as pessoas. Esteja preparado para tratar com alta igualdade pessoas de todas as classes sociais. Isso também é mais complicado do que parece.
– Você gostaria de recomendar algum web site ou blog relacionado à esse país?
Sempre escrevo muito sobre a Finlândia no meu blog: http://www.tiagoluchini.eu/
Escrevi alguns artigos sobre minhas impressões assim que cheguei aqui: Parte 1 , Parte 2, Parte 3 , Parte 4 e Parte 5.
Recentemente escrevi sobre o choque-cultural, tanto em conceito, como também no meu exemplo pessoal:
– http://www.tiagoluchini.eu/2008/02/12/choque-cultural/
– http://www.tiagoluchini.eu/2008/02/15/choque-cultural-o-meu-exemplo/
O maior jornal do país tem uma edicão simples em Inglês: http://www.hs.fi/english/
O ministério das relacões internacionais pode ser encontrado aqui: http://formin.finland.fi/
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[…] Tiago conta para o Entrevistando Expatriado como é sua experiencia vivendo na Filândia. O conteúdo dessa entrevista foi transferida para: https://www.mikix.com/buscando-simplicidade-no-polo-norte/ […]